terça-feira, 12 de abril de 2011

Aspectos fisiológicos do metabolismo das gorduras em exercício e treinamento

31/05/2010 by: Prof. Waldecir Lima

Parte deste texto foi publicado no Informe Phorte, outubro-março; 2009/2010 – ano 12, nº29.

Waldecir Paula Lima

Doutor em Ciências pelo Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo – ICB/USP. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP. Professor convidado para cursos de Pós-Graduação na Universidade de São Paulo – USP, Universidade Gama Filho – UGF, Faculdades Integradas de Santo André – FEFISA. Membro do Corpo Editorial Científico dos periódicos Brazilian Journal of Biomotricity, Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício e Corpoconsciência.



O músculo esquelético é capaz de utilizar ácidos graxos, carboidratos, corpos cetônicos e alguns aminoácidos como substrato durante o repouso e no exercício (WOLINSKY, 1998).

Sob condições normais, carboidratos e ácidos graxos são quantitativamente os substratos mais importantes para as células musculares. A contribuição relativa desses substratos para o fornecimento de energia depende da concentração hormonal do indivíduo e de uma variedade de fatores que inclui o tipo de célula muscular, a intensidade e a duração do exercício, o nível de treinamento, a disponibilidade de substratos intra e extracelulares e a dieta.

Por definição, o ácido graxo é preferencialmente utilizado durante o repouso e no exercício agudo de intensidade submáxima, quando sustentado predominantemente por fibras do tipo I – slow-twitch/ST (BERGGREN et al, 2008). Contudo, é fato que o treinamento de alta intensidade é um potente indutor de biogênese mitocondrial, a partir do aumento de alguns fatores de sinalização (AMPK – AMP-activated protein kinase, MAPK – mitogen-activated protein kinase e PGC-1a – peroxissome proliferator-activated receptor coactivator 1a) que estimulam a expressão de proteínas mitocondriais. Quanto maior a intensidade do treinamento, maior a liberação destes fatores (SUGDEN et al, 2010; HOOD, 2001).

Imediatamente após o começo do exercício, ocorre vasodilatação muscular, facilitando a disponibilidade e a captação dos ácidos graxos livres. O exercício é capaz de promover mudanças drásticas no perfil hormonal do organismo, com consequências para o metabolismo lipídico (BERGGREN et al, 2008). Ocorre um aumento na secreção dos hormônios lipolíticos, ao mesmo tempo que a concentração de insulina circulante diminui por unidade. A sensibilidade do tecido adiposo à estimulação b-adrenérgica se encontra aumentada em função do exercício, mas isso ocorre gradualmente e não cessa ao término do exercício. Consequentemente, a concentração resultante de ácidos graxos livres é menor no começo do exercício, incrementando-se gradualmente ao longo da atividade (HOROWITZ & KLEIN, 2000).

Uma das adaptações mais importantes do treinamento de endurance é o aumento na capacidade do músculo esquelético em oxidar ácidos graxos de cadeia longa-AGCL (JENSEN, 2003; JONG-YEON et al, 2002).

As adaptações geradas pelo treinamento físico de endurance (contínuo ou intervalado) relacionadas à eficiência do transporte de oxigênio para a musculatura em esforço são graduais e cumulativas (DAUSSIN et al, 2007). Destacam-se as alterações na quantidade de hemoglobina e na atividade cardíaca, que se adaptam para facilitar o transporte de oxigênio. O músculo, por sua vez, se adapta para extrair mais eficientemente o oxigênio disponível (BJORNTORP, 1991). A otimização no transporte de oxigênio é obtida diretamente pelo aumento da utilização e do número (LAUGHLIN & ROSEGUINI, 2008) (por adaptação ao treinamento) de capilares que irrigam o músculo esquelético durante o exercício e por adaptação ao treinamento, além da consequente redução da área perfundida por cada elemento vascular, elevando assim a superfície das trocas gasosas e de nutrientes entre os vasos sanguíneos e as fibras musculares (LAUGHLIN & ROSEGUINI, 2008). Há, ainda, um aumento na concentração de mioglobina nessas fibras (KAUFMANN et al, 1989).

Ocorre um incremento no potencial de translocação de metabólitos citossólicos para a mitocôndria em função do aumento na concentração de proteínas ligadoras de ácidos graxos (FABP) e do transporte de ácidos graxos através do sarcolema mediado por carreadores (KAUFMANN et al, 1989).

O aumento da densidade mitocondrial por unidade de tecido muscular imposto pelo treinamento (HOLLOSZY, 1967), acarreta redução no quociente respiratório em indivíduos treinados em comparação aos não treinados, indicando uma mudança para o incremento da oxidação lipídica nesses indivíduos.

A atividade e a expressão gênica do complexo Carnitina Palmitoil Transferase (destacando-se a CPT I) estão aumentadas nas fibras musculares de indivíduos treinados em comparação a indivíduos sedentários (LIMA et al, 2005; YAMASHITA et al, 2008). Há ainda um aumento da capacidade de oxidação mitocondrial em função do incremento na atividade das enzimas de transporte de ácidos graxos de cadeia longa e oxidativas, como aquelas do ciclo de Krebs, da b-oxidação e dos componentes da cadeia de transporte de elétrons (WITTWER et al, 2004; HOROWITZ & KLEIN, 2000, BJORNTORP, 1991; TURCOTTE et al, 1992; BROOKS & MERCIER, 1994).

As alterações hormonais relacionadas ao treinamento asseguram a maior utilização de ácidos graxos durante a atividade submáxima. A taxa de lipólise é altamente dependente da ação de muitos hormônios, que incluem as catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) como lipolíticas e a insulina como antilipolítica e lipogênica (JENSEN, 2003; MARTIN III, 1996; JEUKENDRUP et al, 1998; JEUKENDRUP, 2002)

O treinamento resulta em uma diminuição na concentração plasmática de catecolaminas durante o exercício, e, provavelmente, a queda na concentração desses hormônios está ligada à redução induzida pelo treinamento da lipólise periférica e da taxa de mobilização dos ácidos graxos (PHILLIPS et al, 1996) embora, com o treinamento, os processos lipolíticos se tornem mais sensíveis aos estímulos pelas adaptações em nível dos receptores adrenérgicos (BJORNTORP, 1991).

A redução na liberação das catecolaminas parece acontecer conjuntamente com o aumento na oxidação de gordura durante o exercício submáximo. Uma vez que o aumento na captação e na oxidação dos ácidos graxos associados à albumina (AGL) provenientes dos estoques intravasculares não é suficiente para explicar a utilização total de substratos lipídicos durante a atividade física, como ressaltado na revisão de Saltin e Astrand (1993), acredita-se que a razão para tal paradoxo é que, em indivíduos altamente treinados, o triacilglicerol (TAG) intramuscular proporcione uma grande parte do total de ácidos graxos oxidados, ao contrário de indivíduos não treinados, que obtêm mais AGL de regiões remotas do tecido adiposo periférico, que requer uma ação mais proeminente das catecolaminas (SALTIN & ÄSTRAND, 1993; MARTIN III et al, 1993; KANALEY et al,1995; SIAL et al, 1998; ROMIJN et al, 2000; ROMIJN et al. 1993; RANALLO, 1998).

A insulina é outro hormônio que regula a lipólise, tendo um efeito antilipolítico. A redução na concentração de insulina durante o exercício, mediada pela atividade do Sistema Nervoso Autônomo Simpático (mecanismo simpatoadrenal mediado pela estimulação de receptores a-adrenérgicos) e pela maior liberação de catecolaminas no plasma, pode ser responsável pelo aumento nas taxas do turnover de AGL plasmáticas durante os primeiros 30 minutos de atividade (MARTIN III, 1996). É possível que a diminuição da insulina nos estágios prematuros do exercício tenha um efeito permissivo que facilite a amplificação da lipólise nos estágios mais avançados (RANALLO, 1998).

Maiores informações sobre este assunto são encontradas no livro “LIPÍDIOS E EXERCÍCIO: Aspectos fisiológicos e do Treinamento”.

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